
O ser humano é mais sensível a dor que a alegria, razão porque, natural será a repulsa de todo ofendido ao objeto que o faça lembrar da injúria e ultraje sofrido.
Ora, que Pai piedoso não se aborreceria com a memória do objeto da paixão e martírio de seu próprio Filho? E qual Pai ordenaria que se estabelecessem honrarias ao objeto de flagelo de seu único rebento? E qual Filho zeloso veneraria o objeto da agonia e do infortúnio de seu próprio Pai?
Mas o fato do ser humano ser mais sensível a dor que a alegria, vigora apenas no âmbito natural, não incidindo no campo da natureza Divina, pois não se pode negar que toda estrutura anatômica da CRUZ nos reporta a imagem e semelhança de um corpo humano:
“Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa IMAGEM e SEMELHANÇA. ” (Gênesis 1, 26)
“E o Verbo de Deus se fez Carne, e habitou entre nós. ” (São João. 1.1-14)
Da anatomia da Cruz, percebe-se nitidamente o modelo de um corpo humano com cabeça, tronco, membros superiores abertos e membros inferiores unidos, de onde é clara a semelhança da humanidade com a imagem da Cruz.
Sendo que Deus, no Filho, se fez Homem e tomou da nossa humanidade num Corpo Santíssimo onde habitou, não se pode negar que a Imagem de Deus está na Cruz porque antes estava no homem, cuja imagem e semelhança também está na mulher, criada da costela deste:
“Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. ” (Gênesis 1, 27)
Entretanto, o objeto do martírio e paixão de Cristo tornou-se o sinal da esperança da salvação de toda humanidade, então decaída e imperfeita na capacidade de amar virtuosamente, por causa do pecado.
A Cruz fora instituída por Deus com dor e felicidade; com lágrima e bravura; com sofrimento e alegria, com derrota (para o pecado) e vitória (para a humanidade). Por isso, não me envergonho da cruz que carrego dia a dia, nem da Cruz que Deus carregou por mim, e assim o fez porque eu não haveria de suportá-la.
Não por outra razão, como ensinou o Apóstolo, “[…] NOS PREGAMOS CRISTO CRUCIFICADO, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; (I Coríntios 1, 23)”
A Cruz é onde o humano e o Divino se comunicam; onde se encontram a morte e a vida eterna; e o desespero reencontra a esperança e o feio se torna belo.
Não por outra razão, o sinal que nós católicos, fazemos há mais de dois mil anos é o sinal da invocação da Cruz Divina em nossas vidas, porque não será dado a ninguém se salvar sem Cruz:
“Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, TOME SUA CRUZ e siga-me.” (São Mateus 16, 24)
Quando realizamos o sinal da cruz, levamos a mão direita primeiramente à fronte.
Na fronte reside a razão e o intelecto, através dos quais o indivíduo reconhece a condição de miséria humana em que vive, e compreende que está sujeito as leis do inferno, e, portanto, à condenação oriunda da Justiça Divina pela transgressão própria e também dos primeiros pais, e assim se reconhece totalmente incapaz de reverter tal situação, senão por intermédio exclusivo da Providência de Deus. Por isso, o sinal na fronte é o sinal que nos identifica com o NOME DO PAI, o Criador, o JUSTO JUIZ no Tribunal Celestial, cuja imagem e semelhança nos imprimiu, dando um intelecto, razão e uma capacidade de arrepender, e confessar os delitos cometidos contra Deus:
“JUSTIÇA e JUÍZO são a base de seu Trono. ” (Salmo 89.14)
O segundo gesto ou sinal sai da fronte e se instala no coração. Coração é símbolo do Amor Perfeito, pois quem ama entrega seu coração ao ser amado, como Jesus Cristo fez, doando na Cruz o seu Coração Humano e Divino para ser transpassado por uma lança romana, por amor a salvação de todos nós, sendo que do Coração de Cordeiro saiu a água do Batismo que nos purifica e o sangue do sacrifício que nos salva, e nos livra do juízo condenatório do Deus Pai, no qual, condenados, fatalmente morreríamos por toda eternidade: “ EI-LO JESUS CRISTO, AQUELE QUE VEIO PELA ÁGUA E PELO SANGUE; (I São João 5. 6) ” “Contudo um dos soldados lhe furou o lado com uma lança, e logo SAIU SANGUE E ÁGUA. (São João 19. 34) ” “ Ou ignorais que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, FOMOS BATIZADOS NA SUA MORTE? (Romanos 6, 3) ” “ E mostrou-me o RIO PURO DA ÁGUA DA VIDA, claro como cristal, QUE PROCEDIA DO trono de Deus e do CORDEIRO. ” (Apocalipse 22.1)
E assim o fez graciosamente, sem nos cobrar absolutamente nada, e como prova definitiva do Amor Divino para com a humanidade, e por causa disso, o segundo sinal da Cruz é o sinal do Filho, e é feito EM NOME DO FILHO.
O terceiro e último sai do Coração, do peito para os dois ombros, o direito e o esquerdo. Nos ombros é onde toda cruz é carregada. É o ponto de equilíbrio cervical, que nos impede de cair com o madeiro, não permitindo que a Graça do Amor e do Batismo que recebemos do Coração de Cristo, tornem-se inúteis, perdendo-se nas quedas que fatalmente sofreremos na vida, causadas pelo peso de nossas transgressões, fazendo com que a remissão dos pecados seja perdida e retornemos ao estado de condenação diante do Pai. Por isso, o terceiro sinal da cruz é em NOME DO ESPÍRITO SANTO, o Paráclito, porque é o sinal da perseverança: “Quando Ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (de Deus). ” (São João 16.7-11) “Porque nos tornamos PARTICIPANTES de Cristo, se RETIVERMOS FIRMEMENTE o princípio da nossa confiança ATÉ AO FIM. (Hebreus 3.14) ” “CONSERVANDO A FÉ, e a boa consciência, rejeitando a qual alguns fizeram NAUFRÁGIO NA FÉ. (I Tm 1.19) ”“[…] aquele que não cuida dos seus, e principalmente dos da própria casa, NEGOU A FÉ, e é pior do que um INCRÉDULO. ” (I Timóteo 5,8). “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. QUEM NÃO AMA PERMANECE NA MORTE. ” (I João 3,14).
Assim, quando Deus Pai vê o Filho crucificado, Ele se vê, e a sua Justiça cede em favor de sua misericórdia, porque Ele tem mais prazer no perdão que na condenação.
Assim também, quando vemos o Filho na Cruz, vemos a imagem do Filho e do Pai, pois como disse o Cordeiro:
“Quem vê a mim, vê aquele que me enviou. ” (São João 12.45)
“Eu e o Pai somos Um. ” (São João 10.30)
Vendo o Pai e o Filho, por óbvio, vemos também o Espírito Santo, restando então, toda Santíssima Trindade representada na Cruz.
Por isso, ensina a Igreja desde os dois primeiros séculos, que o sinal da Cruz é uma oração poderosíssima que dispensa uso das palavras:
“[…] durante a tentação, façai piedosamente o sinal da Cruz, pois este é o sinal da paixão reconhecidamente provada contra o demônio. ” (Tradição Apostólica, Capítulo III, ano 88/97. São Clemente, o romano)
“[…] fostes marcados com a forma de sua cruz, sinal da sua paixão. Recebeste o sinal para te assemelhar a Ele, para que ressuscites a sua IMAGEM. ” (Santo Ambrósio de Milão, ano 340 – Os sacramentos. Livro VI. 2, 7)
“[…] prova notável e testemunho evidente da destruição da morte e de representar a Cruz a vitória por Ele obtida sobre a morte, já sem vigor, verdadeiramente morta, é seguinte: TODOS OS DISCÍPULOS DE CRISTO MARCHARAM CONTRA ELA, PELO SINAL DA CRUZ, e os demônios não podiam lhes fazer mal algum. ” (A Encarnação do Verbo, Santo Atanásio. 27,1. Ano 296)