Defendem os que se opõem à Caridade, e sustentam haver divisão entre fé e ação, que toda boa obra seria inútil ao plano salvífico por ser mera “consequência” da fé.
Em vários documentos históricos do protestantismo1 extraímos a síntese dessa proclamação: “só vale perante Deus a obra “humana” que for “consequência” da fé.” (in Vocábulos Bíblicos, p. 234, ed. 1963. Jean-Jacques Von Allmen)
Essa teoria, camufla de modo sutil e quase imperceptível grave erro que põe em risco a salvação de muitos.
As heresias mais perigosas são as que se escondem sob a aparência da “verdade lógica”.
Ora, toda fé tende a morrer na esterilidade das boas ações.
Boas obras ou CARIDADE não é “obra humana,” mas ações livres de Deus que Ele realiza no ser humano por intermédio da fé:
“[…] vosso ingresso e progresso na obra de Deus NÃO SÃO OBRAS HUMANAS, mas a intervenção do Poder Divino, que não cessa de vos assistir.” (Manuscritos, de Santo Antão do Deserto, ano 251-356)
O juízo final de Deus não separará o ser humano de sua história, razão porque, a fé não poderá ser separada de suas ações.
Por isso, crer que as boas obras se separam da fé, conduzirá a morte da própria fé, levando-nos à condenação eterna: “De que aproveitará, irmãos, A ALGUÉM DIZER QUE TEM FÉ, SE NÃO TIVER OBRAS? Acaso ESTA FÉ PODERÁ SALVÁ-LO? (São Tiago 2.14)
Sendo a fé o instrumento que nos liga em Cristo, impossível crer Nele sem participar das suas virtudes e do seu caráter.
Crer em Cristo é viver a busca pela santidade e perfeição, as quais nos permitem a comunhão com Deus.
A caridade é essencial para a VITALIDADE da fé.
Está na ESSÊNCIA DA FÉ o renascimento espiritual para o progresso da perfeição dos atos: “Portanto, SEDE PERFEITOS, assim como vosso Pai Celeste é perfeito. “(São Mateus 5. 48).
A fé nos impõe de modo misterioso, a aceitação dos méritos de Cristo em nossas vidas, para consecução das boas ações proativas.
Deus identifica, mede e julga a nossa fé por meio das nossas ações caritativas cotidianas, externadas no pulsar das virtudes de Cristo, infusas naqueles que aderiram ao seu sacrifício:
“Tu tens fé, e eu tenho obras. Mostra-me a tua fé sem obras, e eu te MOSTRAREI A MINHA FÉ PELAS MINHAS OBRAS.” (São Tiago 2, 18)
“TUA FÉ, que compartilhas conosco, SEJA ATUANTE E FAÇA CONHECER TODO O BEM QUE SE REALIZA entre nós POR CAUSA DE CRISTO. (Filemôn 1. 6)”
“E os mortos FORAM JULGADOS conforme o que estava escrito nesse livro, SEGUNDO AS SUAS OBRAS.” (Apocalipse 20. 11 à 15)
A caridade é o ativismo da fé que a transforma em realidade vivaz e eficaz para nos justificar perante o juízo final.
A CARIDADE é a própria FÉ em movimento: “Estar circuncidado ou incircunciso de nada vale em Cristo Jesus, mas sim a FÉ que OPERA ATRAVÉS DA CARIDADE.”(Gálatas 5-6)
Ora, a virtude da fé cristã está exatamente na capacidade de obrar segundo o Amor aquiescido pela vontade, e a Justiça discernida pela razão.
A vontade está sob o domínio da razão, na qual Deus infundiu o DOM GRATUITO DA FÉ (Ef 2.8) para que na junção entre Fé, Razão e Vontade, tenhamos o Ato que nos distingue dos infiéis, gerado de quando nos tornamos imitadores de Cristo, cumprindo o preceito da Graça que é amar a Deus e ao próximo:
“[…] meu mandamento é este: amai-vos uns aos outros COMO EU VOS AMEI. SEREIS MEUS AMIGOS SE FIZERDES O QUE VOS MANDO. O que vos mando é que vos AMEIS UNS AOS OUTROS. (São João 15. 13, 14 e 17)”
No âmbito da fé está inserida a capacidade de obrar, segundo os preceitos dessa mesma fé.
O que somos não é diverso daquilo que fazemos.
Impossível haver fé sem que em sua ESSÊNCIA não esteja a caridade.
Há na Teologia e também na Filosofia notável distinção entre ESSÊNCIA e CONSEQUÊNCIA.
Diz-se de ESSÊNCIA aquilo que é natural de um ser ou de um objeto, cuja supressão o desnatura, tornando-o em outra coisa, ou deixando-o INCOMPLETO, imperfeito, e em certos casos, ensejando sua morte ou extinção.
É da essência dos animais vertebrados o conjunto de vértebras, ossos, colunas e cartilagens, os quais formam o esqueleto. Ausente essa sustentação ossuosa, não estaremos diante de indivíduo do grupo dos vertebrados, de onde se concluiu que não poderá haver um vertebrado sem a estrutura óssea.
Por isso, o sistema esquelético é essencial para a existência do ser vertebrado.
Noutro exemplo, temos no ser humano o indivíduo formado inseparavelmente por corpo e alma. Tirando a alma do corpo teremos um cadáver; assim como a alma sem corpo é apenas uma alma.
Neste caso, corpo e alma concorrem para formar um ser uno.
Ora, naquele que crê em Cristo, é natural agir conforme os mandamentos do Mestre:
“A glória de meu Pai manifesta-se quando DAIS MUITOS FRUTOS E VOS TORNAIS MEUS DISCÍPULOS. Se obedeceis aos meus mandamentos, permanecereis no meu amor. (São João 15. 8, 9 e 10)”
Logo, é a caridade essencial para o vigor da fé.
Se Deus escolheu ser amado no próximo, “a Caridade é o pleno cumprimento da Lei.” (Romanos 13.10)
Toda fé que não produz um ato que lhe corresponda é MORTA, e, portanto, inservível para salvação: “Preguei […] para que se arrependessem e SE CONVERTESSEM a Deus, FAZENDO DIGNAS OBRAS CORRESPONDENTES.” (Atos 26. 20)
Sendo a FÉ AUTENTICADA e VIVIFICADA nas boas obras, conclui-se que FÉ e CARIDADE não são elementos distintos, separados, pois a fé existe para frutificar em obras, e se não frutifica, está fadada a morte: “Todo o ramo QUE NÃO DÁ FRUTO EM MIM, O PAI CORTA-O. Os ramos que dão fruto, poda-os para que dêem mais fruto ainda.” (São João 15. 2 e 3)
Antes, perfazem UM ÚNICO ELEMENTO, cooperando em conjunto, em harmonia, assim como uma pedra fundamental e o restando da construção formam uma coisa só, que é o edifício: “EDIFICAI-VOS MUTUAMENTE sobre o FUNDAMENTO da vossa santíssima FÉ. ” (São Judas 1. 20)
“Queres ver, ó homem vão, como a fé sem obras é vã. Vês como A FÉ COOPERAVA COM AS SUAS OBRAS E ERA COMPLETADA POR ELAS. (São Tiago 2.22)
Noutro sentido, é impossível que a caridade seja a consequência da fé.
Diz-se CONSEQUÊNCIA, tudo o que é acidental a uma causa.
Tem-se por acidente2 aquele efeito próprio que poderá ou não advir de determinada causa.
É certo que todo efeito pressupõe a causa.
Mas a recíproca NÃO é verdadeira porque pode haver uma causa estéril.
A união corporal ente homem e mulher é causa da geração de um outro ser. Mas tal não implica que uma união genésica entre macho e fêmea não possa estar revestida de circunstancias que impeçam sua consequência ou efeito natural.
Todavia, não poderíamos dizer que a causa não existiu em razão da ausência do seu efeito natural.
Esse princípio, explica o erro crasso em pregar que boas obras são mera consequência (efeitos) da fé, pois se assim fosse, PODERIA EXISTIR UMA FÉ QUE CAUSA A SALVAÇÃO, INDEPENDENTE DE PRODUZIR ATOS DE BONDADE: — “Acaso ESTA FÉ PODERÁ SALVÁ-LO?
Uma causa pode existir independente de seus efeitos ou consequências.
Mas a Fé jamais poderá existir divorciada dos atos da Caridade, de onde conclui que a boa ação não é a consequência da fé, mas sua própria ESSÊNCIA, vez que toda fé sem caridade é nula, é MORTA.
Negar-se à Caridade é pecado mortal:
“Aquele pois, QUE SABE FAZER O BEM E NÃO O FAZ, COMETE PECADO.” (São Tiago 4.17)
E todo pecado grave se opõe a fé, matando-a.
A fé direciona o agente rumo à prática de atos justos através da Santidade de Deus.
Daí, não haver fé sem a caridade que lhe corresponda, pois se a consequência é um acidente, efeito possível e incerto do ato, estaríamos negando as Escrituras, afirmando existir uma fé que coexiste com a negligência da prática do Bem.
A caridade nasce pela fé, e dela não se separa jamais, perfazendo a “cara e a coroa” da mesma moeda: “Esta recomendação só visa a ESTABELECER A CARIDADE, NASCIDA DE um coração puro, de uma boa consciência e de UMA FÉ SINCERA.” (I Timóteo 1.5)
Onde não há caridade, não há fé, e onde há caridade, lá estará a verdadeira e autêntica fé cristã.
A Doutrina Apostólica da única e verdadeira Igreja jamais ensinou existir DIVISÃO entre FÉ e OBRAS.
Por sua vez, boa ação sem crer em Cristo não é Caridade, mas filantropia,3 já que caridade é um dom espiritual, inserido no âmbito da fé.
Deus concede ao homem, pela Graça do sacrifício, a fé que lhe salva; e o homem reage a fé recebida através da caridade.
A fé existe para que o ser humano através de Cristo, possa cumprir os mandamentos de Amor da Graça:
“Aquele que TEM OS MEUS MANDAMENTOS E OS GUARDA, esse é que me ama. “. (São João 14,21)
“Aquele que diz conhecê-lo E NÃO GUARDA OS SEUS MANDAMENTOS É MENTIROSO e a verdade não está nele”. (1 São João 2,4)
“Se queres entrar na VIDA ETERNA, GUARDA OS MANDAMENTOS. (São Mateus 19.17)”
Aquele que negligencia o mandamento da Caridade, achando que sua fé imperfeita lhe salvará, incorre em grave pecado. E os falsos mestres, sacerdotes e doutores que ministram tal doutrina humana, incorrem num pecado ainda maior.
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1 II Confissão Helvética, ano 1566; Catecismo de Heidelberg, ano 1563; Cânones de Dort, ano 1518; Confissão Luterana de Augusburgo, ano 1530; Confissão Escocesa ano 1560, Confissão Menonnitas e Confissão de Westminster, ano 1643.
2 Aristóteles, in Metafísica.
3 FILANTROPIA é o amor ao homem por causa do homem (filantropia social), e que não raras vezes se realiza para promoção religiosa, como faziam os fariseus (filantropia de prosélitos) ou para algum tipo de ganho próprio (filantropia egocêntrica) Caridade é Dom espiritual, que nos capacita a renuncia própria em favor de outrem.