Conforme a Tradição e o Magistério da Igreja, não são os Atributos1 de Deus, senão a sua própria Essência2.
Assim, Deus não é misericordioso, pois Ele é a MISERICÓRDIA. Ele não é poderoso, pois é o PODER SOBERANO. Ele não é piedoso, pois é a própria PIEDADE. Ele não é Bondoso, posto ser a própria BONDADE.
Deus, sendo puro ato, não tendo em si matéria (pois a matéria é elemento da criação), como Criador e causa única e primeira de todas as coisas, nada lhe pode ser atribuído.
E sendo ato puro3, todas as suas ações se manifestam por suas Virtudes, tendo se mostrado como AMOR, principalmente, nos atos da criação e da redenção humana.
Atributo é tudo aquilo que se agrupa a um ser para o seu aperfeiçoamento. Em Deus não há atributos, no sentido exato da palavra, porque sendo PERFEITO e a própria PERSONIFICAÇÃO de todas as Virtudes existentes, nada há que lhe possa ser agregado.
Os atributos infinitos de Deus (Amor, Piedade, Caridade, Justiça, Poder, Autoridade, Misericórdia, Graça e outros) são os seus NOMES.
“EU SOU O QUE SOU.” (Êxodo 3.14)
Por esta razão, DEUS é também o AMOR Personificado.
Mas sendo DEUS O AMOR, a recíproca é autêntica, posto ser o AMOR, DEUS.
Em todo universo, NÃO EXISTE AMOR, senão em Deus, e naquilo que provenha apenas de Deus.
De igual modo, não há Autoridade, Perfeição, Santidade, Perdão, Caridade, Felicidade, Verdade ou Poder que não provenha de Deus.
Ele é a única fonte de todo Bem, e por consequência, única fonte de todo Amor.
O ser humano não é fonte de Amor, mas o seu destinatário, pois na Comunhão com o Sacrifício de Cristo, pelos sacramentos, recebemos Dele não apenas o Amor, mas também a capacidade para exercê-lo.
Só há Amor em Deus, e Deus é Amor, assim como o Amor é Deus.
Traçando um paralelo entre o AMOR DIVINO e o amor natural humano, podemos conhecer o caráter e a qualidade do verdadeiro Amor.
Em se tratando do gênero humano, os atributos não fazem parte da sua essência.
Mas em Deus, sendo os seus atributos a própria essência da Pessoa Divina, são assim IMUTÁVEIS, posto que ETERNOS:
“O MEU AMOR NÃO MUDARÁ.” (Isaías 54,10)
“Eu te AMEI COM UM AMOR ETERNO.” (Jeremias 31, 3)
Sendo o Amor, Deus, este Amor não existirá nos seres humanos, exceto naqueles que estão firmemente apegados à Ele.
Em nós, os atributos nos são trazidos pela alma que Deus nos infunde ao criarmos, o que nos imprime o caráter e a personalidade.
E não estando na essência humana, é certo que qualquer atributo poderá ser perdido, assim como regredir, estagnar ou progredir.
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O amor humano é exclusivamente AFETIVO, estando nas apetências, intelecto e nas sensibilidades, não nas Virtudes do Espírito Santo.
Por afeto, entendemos o apego ao êxtase emocional, as dileções racionais e as afeições que nos proporcionam as satisfações do corpo e da mente, as quais potencializam nossas ideias e nosso agir em benefício próprio ou mesmo de terceiro, quando neste último caso, a afeição ao outro nos trouxer um certo ganho.
Sem Deus, o ser humano só é capaz das paixões, que são estados emocionais transitórios de induzimento mental, e que visam como objetivo principal, atender as necessidades egocêntricas e os impulsos caprichosos, sem o compromisso com o bem-estar alheio, o qual, no entanto, poderá ocorrer de modo acidental.
O amor natural ou paixão humana, em razão do estado pecaminoso, tende a se apegar aquilo que lhe destrói na busca pela felicidade, como a cobiça e a vaidade.
“O AMOR AO DINHEIRO é a raiz de todos os males.” (I Timóteo 3.10)
“Ó poderosos, até quando tereis o coração endurecido, no AMOR DAS VAIDADES e na busca da mentira?” (Salmos 4, 3)
O amor natural, ama pela condição emocional, que priva o ser amante da capacidade de enxergar os defeitos, falhas, vícios e os deméritos do ser amado.
Já o AMOR DIVINO é incondicional, pois ama acima e independente das falhas, vícios ou deméritos que trazemos.
Não nos enganemos.
Se há verdadeiramente Amor em nós, esse Amor não nos pertence, apenas nos é participado, posto que provido única e exclusivamente de Deus.
Está escrito:
“Deus PERMANECE EM NÓS e o SEU AMOR EM NÓS É PERFEITO.” (I São João 4, 12)
“Nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem para conosco. DEUS É AMOR, E QUEM PERMANECE NO AMOR PERMANECE EM DEUS E DEUS NELE.” (I São João 4, 16)
O amor humano busca amar pelas qualidades aprazíveis, belas e agradáveis, as quais procura encontrar no outro.
O AMOR DIVINO ama pelas qualidades Dele, partilhadas conosco, para que possamos nos aperfeiçoar, e nesse aperfeiçoamento, possamos encontrar Deus e a verdadeira Felicidade em Amar.
A aptidão para Amar está muito além da capacidade natural, como ensinou Santo Tomás:
“Ora, há uma espécie de apetite; e este se chama apetite natural. Pois os seres naturais desejam o que lhes convém à natureza, pelo instituído da natureza. O amor natural tem sua sede nas potências da alma vegetativa, bem como, em todas as partes corpóreas, pois, como diz Dionísio: – para todos o bem e o belo são agradáveis. (Suma Teológica, Q 26, art. 1º. Livro Ia e IIae)
Já sobre o DEUS QUE É AMOR, e o AMOR QUE É DIVINO, esclarece o Doutor Angélico:
“Ora, o amor do bem conveniente aperfeiçoa e melhora o ser que ama; ao passo que o amor inconveniente ao ser amante, lesa-o e torna-o pior. Por onde, o homem SE APERFEIÇOA E MELHORA, PELO AMOR DE DEUS, e sofre lesão e piora pelo amor pecaminoso, conforme a Escritura (Os 9, 10): – se tornaram abomináveis com as coisas que amaram. (Suma Teológica, Q 26 art. 5 Livro Ia e IIae)
Só o AMOR DIVINO é capaz de se humilhar por aqueles que nada merecem:
“[…] paixões surgem de quase todos os pensamentos demoníacos que empurram o intelecto a ruína e a perdição. Porém neste ponto devemos prestar atenção ao médico das almas e observar como Ele cura a cólera com a caridade, e como a oração purifica o intelecto, e ainda mais, o jejum disseca a concupiscência.” (Evrágio do Pórtico, anos 346-400, in Sobre o Discernimento das Paixões e dos Pensamentos)
“Ele ama para sempre suas criaturas que, imortais por essência, não desaparecem com o corpo. Ele viu a natureza espiritual precipitar-se no abismo e aí encontrar a morte. Uma súplica foi então elevada à bondade do Pai em relação a seu Filho Único, pois nenhuma criatura seria capaz de curar a profunda ferida do homem. Ele tomou sobre si esta missão; NOSSAS INIQUIDADES PRODUZIRAM SUAS HUMILHAÇÕES; SUAS CHAGAS, NOSSA CURA. Ele nos reuniu de um extremo a outro do universo, ressuscitou nosso espírito da terra e nos ensinou que somos membros uns dos outros.” (Santo Antão do Egito, anos 251-356, in Sentença dos Padres do Deserto)
Em contrapartida, o amor natural ou humano busca apenas a sua própria exaltação.
Toda busca desordenada por esta satisfação aprazível será letal para nossa espiritualidade, por nos causar os vícios sentimentais da tristeza (apatia) ou ansiedade (fervor incontido), dentre outros:
“O amor (humano), conforme a relação entre a apetência e o objeto, causa duas paixões: uma, a tristeza pela ausência manifestada pelo abatimento; outra, o desejo intenso de possuir o amado, manifestado pelo fervor. (Suma Teológica Q 28, art. 5º Livro Ia e IIae)”
Por fim, sendo o Amor, Deus, porque DEUS É AMOR, este Amor não pode ser entendido, nem tratado sob a ótica da natureza dos afetos e sentimentos.
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1. Qualidades Acessórias adquiridas pelo ser, que o especifica e o distingue dos demais. Substancialmente, o atributo não compõe a essência do ser. O fato de um homem não ser Bom, não implica que ele deixará de ser homem por esta razão.
2. Essência, na ótica filosófica, é o composto da substância que define a identidade do ser. É tudo aquilo que, sem o qual, o ser não o seria.
3. Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, Q 3 – Da Simplicidade de Deus, Livro Ia.